segunda-feira, 15 de julho de 2013

fantasma camarada





[Folha de S. Paulo, Caderno Mais!, 08/11/1992]

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Jornal "O Dia" - página "Domincultura" - última entrevista de Torquato Neto



Esta foi a última entrevista de Torquato Neto, que foi concedida ao jornalista Meneses y Morais. A entrevista foi foi publicada no dia 18 de junho de 1972 do suplemente "Domincultura" do Jornal "O Dia", de Teresina, no Piauí.


Torquato Neto: verbo desencantado


Menezes y Morais - Em que ano você arribou do Piauí? 

Torquato Neto - Em fins de 1959, quando terminei o Ginásio, e no início de 60 eu fui estudar o Científico na Bahia. 

MM - Como você se ligou com a turma Tropicália? 

TN - Essa história é muito manjada. Eu fui estudar na Bahia e lá encontrei, conheci um bocado de gente no Colégio e tal; dentre estes tinha um que era amigo de outro e tal e tal, e nessa cirandinha eu cheguei a conhecer Caetano; depois eu conheci Gil; depois eu fui embora pro Rio de Janeiro em 1962, eles ficaram lá; quando foi em 65, tem aquela história conhecidíssima: Bethânia foi pra Bahia (sic) e ai começamos a fazer música, todo mundo. Isto é: a gente fazia música, brincava com música, mas o nosso papo mesmo era cinema; era o que a gente queria fazer mesmo. 

MM - Qual a sua primeira música? 

TN - É uma música que tá gravada por Gal no Lp Domingo, de Cae e Gal: é uma seresta chamada Nenhuma Dor. 

MM - É verdade que Maiakósvki exerceu influência sobre os meninos da Tropicália? 

TN - Maiakósvki exerceu influência sobre todo mundo que faz poesia, eu acho (Pausa, um sorriso. Balança a rede e prossegue). Em 68, a gente começou um trabalho, que depois passou a ser chamado tropicalismo. (Essa história de “Ismo” é muito chata, reduz a coisa a uma coisa momentânea, e a Tropicália é uma coisa de repercussão enorme, além do prazo). 

MM - Você falou que o escopo da turma da Bahia era o cinema. E como foi isso? 

TN - A experiência era só de cineclubismo mesmo. A gente era viciado em cinema. Falava-se nisso de manhã, de tarde, de noite. Nessa época Glauber Rocha, era por volta de 60, começou na Bahia o movimento Cinema Novo e foi justamente nessa época em que ele filmava Barravento, o primeiro grande filme brasileiro da época. E nós fizemos então um filme que, na verdade, foi dirigido por Alvinho Guimarães, que terminou hoje em dia sendo editor do Verbo encantado - que já acabou no vigésimo número, há poucos dias. O filme chamava-se Moleques de rua, feito por todos nós, Alvinho, Caetano, Duda, eu e mais alguém que se perdeu no tempo. 

MM - Torquato, na escola, gostava de Matemática?

TN - Eu... (Sorrisos). Não. Eu estudava as coisas direitinho. Mas, o que eu gostava mesmo era de escrever.  

MM - Você terminou o curso superior?

TN - Fiz dois anos de Científico na Bahia e o terceiro no Rio. Ai, fiz vestibular pra Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil; fiz vestibular pro curso de Jornalismo e cursei até o segundo ano. Ai, achei que o negócio tava muito chato e larguei. 

MM - Torquato gosta de banana, laranja, melancia, tangerina, caju... agora, conta pro leitor como é que foi aquela coluna Geleia Geral, sua, na Última Hora. 

TN - Era uma coluna diária onde eu abordava problemas gerais. O problema de vida que nós tivemos que enfrentar uma geração inteira. Eu tentei, durante nove meses, fazer uma coluna reflexa, um alto-falante, um retrospecto também... exatamente no momento em que o Pasquim tava falindo, como uma coisa realmente importante, quente. Depois que deixei de curtir a coluna, eu deixei de fazer. 

MM - Como o público se comportou, em relação à mesma? 

TN - Muito bem. Minha coluna era lida exatamente pelas pessoas que eu gostaria que lessem. Pela juventude do Rio de Janeiro. Cabeludos em geral... 

MM - Qual o poeta ou os poetas que influenciaram realmente na sua poesia? 

TN - Quando eu sai de Teresina, os poetas que eu conhecia eram aqueles dos textos de escola: Castro Alves, Gonçalves Dias etc. A poesia moderna eu não conhecia nada. Naquela época, no Piauí, não tínhamos acesso a isso. Na Bahia, eu tive um contato imediato com essas coisas, como Carlos Drummond de Andrade. Drummond foi o cara que mais me interessou, logo de cara, me impressionou, sei lá. Aí, fui lendo João Cabral de Melo Neto, a secura do Engenheiro, da Faca, coisa seca, agreste, de Cabral. Depois, li outros poetas etc. Mas, hoje em dia, o negócio importante para mim é a poesia concreta, lá de São Paulo, e o resultado do trabalho que a gente tem tentado desenvolver. E o que eu queria dizer aqui é que a Tropicália, no sentido da música, foi uma radicalização tão grande quanto a poesia concreta também foi no sentido da poesia. Quer dizer, a gente mexeu exatamente com a forma da música brasileira. E eu acredito sinceramente que isso é a coisa mais importante em qualquer processo cultural. Ou você mexe com a forma, ou então não mexe com nada. 

MM- Onde e com quem nasceu a poesia concreta? 

TN - Nasceu em São Paulo, exatamente com a trinca Haroldo de Campos, Augusto de Campos e Décio Pignatari. O nome “poesia concreta” apareceu pela primeira vez no contexto internacional, no importantíssimo suplemento literário do Times de Londres, aí por 61, 62, não sei direito, não me lembro. 

MM - Conta pro leitor como é a coleção Na Corda Bamba. 

TN - É uma coleção editada por José Álvaro Editor. Dirigida por José Carlos Capinan e pelo poeta Waly Salomão. É uma literatura experimental. José Álvaro se interessou com o trabalho desta turma que está trabalhando nisto: novas experiências com a poesia, com o texto, com a linguagem e não com a língua brasileira (sorri). Então, A Corda Bamba já vai sair o primeiro livro: de WS... Me segura que eu vou dar um troço. Em seguida, o livro de Jorge Mautner Fragmentos de Sabonete, depois tem o livro de Bivar e depois é o livro que eu estou preparando agora, que, aliás, eu nem sei se vou terminá-lo todo, porque eu tou mais interessado é em cinema. Ele chama-se Pesinho pra Dentro, Pesinho pra Fora. Bom, Corda Bamba é isso, amizade. É uma oportunidade que um editor tá dando pra que jovens poetas consigam mostrar, lançar as suas produções experimentais. Eu sempre escrevi muito, principalmente poesia. Mas nunca pensei em publicar livros. Eu preferi utilizar a poesia na música. Se agora eu estou tentando preparar esse livro é a pedido de amigos. Já fizemos três filmes, um dos quais foi exibido recentemente no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, ainda não foi possível uma exibição deste no Brasil e tá sendo exibido agora no circuito universitário dos E. U. A.. E aqui, em Teresina, eu cheguei com essa ideia: fazer um filme aqui. Aí me encontrei com o Edmar, Galvão, Noronha, essa turma aí, e eles tavam tentando fazer um filme também e então eu me enturmei com eles e tamos aí, já fizemos Adão e Eva na Sociedade de Consumo, feito por eles, no qual eu trabalho como ator. Logo depois eu pretendo começar um longa-metragem meu, feito com eles e outras pessoas que eu ainda vou convidar. É um filme intitulado Idade, Cidade Verde. 

MM - O que você vai fazer quando terminar tudo isso?

TN - Ir pro Rio de Janeiro (pausa). Eu moro lá, né? (ilustra a frase com um sorriso de azul e branco. Isto é: um sorriso branco dentro do azul da tarde...). Quando este filme for exibido eu pretendo fazer outros, eu não quero mais parar de fazer cinema. 


[Entrevista publicada no jornal O Dia, Domincultura, 18 de junho de 1972]


quinta-feira, 14 de março de 2013

Não mais que de repente


.. Lírico. É como se eu estivesse vendo: a rua que descia até o rio, a estranha nova que se abria do outro lado, o apito da usina, a voz do cajueiro. Entrava pela boca do pato e saia pela boca do pinto – dava um tempo e contava até cinco. Era aí que tudo recomeçava, um dia depois do outro e para sempre todo santo dia. 

..Era de dia. Meu avô de pé na porta e o Tico Tico no Fubá tocando longe. A rua escorria tranquila em direção ao rio. Quem diria? Um quadro depois do outro: gozado como a cor de tudo, vista daqui, não dava pra chegar a verde-verde, azul-azul, vermelho no duro: tudo meio cinza, desbotado, enfumaçado. Mas tudo tão presente, agora. Por que?

Fernando Pessoa fala diferente. 

A mesma coisa... 

“Outra vez te revejo.

Cidade da minha infância pavorosamente perdida... Cidade triste e alegre, outra vez sonho aqui...Eu? Mas sou eu o mesmo que aqui vivi, e aqui voltei, E aqui tornei a voltar, e a voltar. E aqui de novo tornei a voltar? Ou somos todos os Eu que estive ou estiveram, Uma série de contas-entes ligadas por fio-memória. Uma série de sonhos de mim de alguém de fora de mim? Outra vez te revejo, com o coração mais longínquo, a alma menos minha”.

E não tem mais nada não: é a mão sem mão e o pé no chão. E se interessar a alguém maiores detalhes eu aviso: só acredito mesmo naquilo que não falo. Como o cidadão da foto ao lado. Até breve.

TORQUATO NETO. In: A Hora Fatal [Jornal A Hora], Teresina, 16.07.1972

Torquato Neto: Conversa entre Décio Pignatari e Régis Bonvicino



Régis Bonvicino: Como você situaria Torquato? Um poeta letrista ou um poeta que fazia poesia escrita?

Décio Pignatari: Torquato era um criador-representante da nova sensibilidade dos não especializados. Um poeta da palavra escrita que se converteu à palavra falada, não só à palavra falada idioletal brasileira, mas à palavra falada internacional. A palavra falada do Português do Brasil – e não o brasileirês, fosse piauiense, baiano, carioca ou paulista. Não era de folclorizar a língua. Nisto seguia João Gilberto mais de perto do que os seus companheiros baianos. Era mais de ideologia do que de magia.

 RB: O trabalho de Torquato representa, a meu ver, a projeção de certos modos de operar da arte construtivista, como a montagem, numa sensibilidade pop. Você concorda com isto? 

DP: Talvez que o pop-construtivismo seja insuficiente para caracterizar o traço distintivo de Torquato, já que poderia ser aplicado a outros, na música e fora dela. Mas, se aceitarmos a ideia, que me parece interessante, ele estaria mais para Antonio Dias do que para Hélio Oiticica. Torquato não confundia Oswald de Andrade com Zé Celso. Outros podiam esconder a cabeça, ter receio de parecer high brow. Não Torquato. Seu repertório cultural era mais amplo, seus roteiros mais seguros. A expressão geleia geral, que criei e empreguei em 1963, numa discussão com Cassiano Ricardo, ao expulsá-lo da revista Invenção, transformou-se num miniprograma crítico-criativo para Torquato, que não só a utilizou na letra famosa dos tempos da Tropicália, como com ela batizou a coluna que manteve no Última Hora, do Rio de Janeiro. Seu modo de proceder na montagem/colagem/bricolagem tinha certa orientação, não era errático.

RB: Você afirmou, num de seus últimos artigos, que Oswald de Andrade foi o elemento radicalizador do processo de renovação empreendido pelos nossos modernistas. Este mesmo raciocínio poderia ser transposto para Torquato em relação ao Tropicalismo? 

DP: Não sendo cantor ou compositor, é provável que se sentisse atraído para uma visão cultural mais ampla, uma vez que seu engajamento crítico-criativo não podia compromissar-se com a necessidade de manter a “solidariedade baiana” do movimento. Embora reconheça nele uma vocação para o radical, não acho que tenha representado a função oswaldiana a que você se refere. Se houve tal ponta de lança radical, ela foi antes representada por Rogério Duprat. Quem ouve música e não apenas letra pode constatar isso. Em complexidade e qualidade, não há nada semelhante aos arranjos de Duprat na MPB. Prefiro dizer que Torquato foi o Mário Faustino do tropicalismo, o Mário tragicamente morto dez anos antes. Ambos, mortos vocacionais. 

RB: Qual a importância de Torquato como articulista, polemista e ator, para o surgimento de um novo cinema (Rogério Sganzerla, Júlio Bressane) em oposição ao “cinema novo”? 

DP: Separado dos baianos, migrou para outros códigos. De sua coluna, no Última Hora carioca, infelizmente de curta duração, abriu fogo contra o cinema novo, que já estava se academizando nos cargos e verbas oficiais. E apoiou a marginalidade dos experimentalistas (e isto poderá ter-lhe custado a coluna), como Sganzerla, Bressane, Ivan Cardoso, Luis Otavio Pimentel, que representavam o lado urbano universalista do cinema brasileiro. Como ator, foi Nosferatu vampirizando baianos, no super-8 do Ivanzinho. Como editor, estava montando, junto com Waly Salomão, a Navilouca, que Caetano viria a copatrocinar depois, como homenagem póstuma. Com sua morte prematura, completou o retrato falado de um cult artist.

RB: Você me contou, em conversa, que esteve com Torquato na véspera do suicídio. Fale um pouco sobre isso. 

DP: Poucos contatos tivemos no início. Calado, recolhido, tímido. A diáspora dos Beatles. A desastrada, senão desastrosa viagem a Londres, o rompimento com os baianos no duro exílio, quando também os visitei, em 70. As mortes de Jimi Hendrix e Janis Joplin. Foi nos últimos dois anos que tivemos ligação um pouco mais estreita, eu lecionando na ESDI, ponte aérea. Naquela noite, a de seu aniversário, tínhamos assistido a um filme cinemascópico do Sganzerla (de que não gostei, dizendo que me lembrava de A Queda do Império Romano…). Por alguma razão careta, eu estava de saco cheio e não quis ir à festa. Combinei com Luiz Otávio para ver, no dia seguinte, às dez da manhã, no Cine Zero Hora, da avenida Rio Branco, o seu curta sobre Oswald. Era um sábado, acho. Disse-me que deixara Torquato em casa de Ana, às 3 da madrugada. Vi o filme e me mandei rapidinho para o Aeroporto Santos Dumont. Em São Paulo, mais do que depressa, fugi para o meu estúdio, recém-inaugurado, a 30 km de distância. Era novembro, eu estava ultimando a minha tese de doutoramento, Semiótica e literatura, juntamente com uma tese subsidiária sobre cinema, onde pela primeira vez se levava a sério a obra deles no âmbito universitário. Voltei para casa no domingo à noite, quando li, estupefato, na seção de arte de um jornal paulistano, a manchetinha: Enterrado Torquato Neto.

In: Sibila - Poesia e Critica Literária.